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Revista / NO RANCHO FUNDO

Dandara Queiroz celebra valores indígenas com estreia em novelas na Globo: 'Dando alma'

Em entrevista à Revista CARAS, Dandara Queiroz, atriz descendente da etnia tupi-guarani, celebra estreia em No Rancho Fundo com orgulho de suas raízes

por Tamara Gaspar

tgaspar@caras.com.br

Publicado em 09/05/2024, às 15h00

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No Museu do Amanhã, no Rio, Dandara fala do desafio de interpretar Benvinda na global das 6 - Fotos: Léo Rosário
No Museu do Amanhã, no Rio, Dandara fala do desafio de interpretar Benvinda na global das 6 - Fotos: Léo Rosário

Determinação é uma característica que sobressai à personalidade de Dandara Queiroz (26). Descendente da etnia tupi-guarani, a atriz encara de cabeça erguida e com os pés no chão o primeiro trabalho em novelas: ela é Benvinda, na global das 6, No Rancho Fundo. “Até ontem, eu estava no interior do Mato Grosso do Sul, jantando em frente à TV e assistindo a essas pessoas que hoje são meus colegas de profissão. Essa ficha vai caindo aos poucos e direto me pego sorrindo à toa com esse sonho que, agora, é realidade”, celebra ela, cujo destino sempre esteve direcionado às artes, afinal, além da atuação, Dandara é formada em Arquitetura e ainda imprime talento na moda, como modelo. “Primeiro, aprendi a criar, depois aprendi a fazer isso na moda, música e dramaturgia. Criar dando alma, vida para as artes que se cruzam no meu caminho”, explica.

Para além das conquistas profissionais, Dandara celebra a oportunidade de fazer ecoar pelo Brasil a cultura e os valores de seus ancestrais. “A questão social e política dos indígenas do nosso País chegou com muita força à arte. São pautas da nossa realidade sendo expressadas nas composições, nos instrumentos, na dramaturgia, na moda e na dança. Estamos no momento de colocar para fora tudo o que a nossa ancestralida de nos ensinou. A dramaturgia está apoiando muito esse lugar. Eu sou muito grata a isso”, destaca ela.

– Como encara o desafio de fazer sua primeira novela?

– Com muita dedicação, amor, coletividade e gratidão. Estou plantando toda a minha dedicação e esforço para entregar o melhor para o público. Muita leitura, ensaio, preparação e afinco para cativar quem estiver assistindo. Além de ser um trabalho, também está sendo uma ótima oportunidade de vivências e aprendizados.

– Imaginava chegar até aqui?

– Sinceramente, não! Eu já pensei muito nisso… talvez pela realidade distante, por duvidar da minha capacidade e por nutrir minha insegurança com opiniões alheias referentes aos meus sonhos. Por preferir lidar com as surpresas em vez das decepções. Essas questões são coisas que venho curando diariamente em mim. Penso em quantas vezes orei por coisas que eu pedia, que imaginava possíveis para mim, e Deus desviava meu caminho. Eu me sentia frustrada, mas mal sabia o que estava por vir. “Deus escreve certo por linhas tortas”. Essa frase pode ser clichê, mas me define muito! As linhas tortas e os caminhos que se desviaram me trouxeram até aqui. Tem horas que nem acredito…

– O que você e sua personagem têm em comum?

– Benvinda tem uma virtude que prezo muito: o respeito pelos nossos ancestrais. Ela é uma menina de coração puro, ingênua, inocente. Posso dizer que temos várias coisas em comum, porque eu vim do interior, de família simples. Tive uma mudança drástica de realidade e senti muitas coisas com essa expansão na minha vida. Por dentro, conheci o mundo com muito encanto e surpresa, mas confesso que fingia costume a estar habituada a tudo aquilo. Inclusive, vou usar tudo que vivi para colorir a história dela.

– A teledramaturgia tem ajudado a dar visibilidade às diferentes culturas, como a indígena?

– Demais! Acredito que estamos despertando conscientemente em vários aspectos. O Brasil está entendendo a importância da valorização da nossa cultura nativa. Do respeito, da conscientização e descolonização das nossas histórias. Para que isso aconteça, é necessário nos incluir.

– Como descendente de Tupi Guarani, quais valores ou costumes mantém em sua rotina?

– Uma virtude que eu uso muito no meu dia a dia de trabalho é a gratidão e a coletividade. Nas nossas comunidades isso é primordial, somos muito unidos e pensamos no coletivo. É assim que entendemos o ditado divino de amar aos outros como a si mesmo. Mas, fora isso, me fortaleço emocionalmente, espiritualmente e fisicamente de diversas formas com a minha cultura. Por exemplo, minha concentração com o rapé, minha proteção com o petyngwá — o nosso cachimbo sagrado com defumação de tabaco —, os nossos cantos sagrados como o Boraí, que simboliza o nosso amor e gratidão por tudo que Nhanderú, o grande espírito, nos oferece nesse mundo. Também gosto de falar no nosso idioma e preparar alimentos nutritivos como banana, peixes, mandioca e chás das ervas que pego na aldeia e levo para a cidade.

– Você também se dedica às pinturas indígenas...

– Sempre admirei os grafismos, tanto esteticamente quanto pelo seu significado espiritual. Quando eu vejo meus amigos preparando o jenipapo, a fruta usada para o pigmento preto do grafismo, já fico ali observando e aprendendo. Também usamos o urucum para as expressões vermelhas. Tem coisas que são inexplicáveis, como o talento ou dom. Eu aprendi os traços e os seus significados e, como se já soubesse, fiz perfeitamente em mim. Depois comecei a fazer nas pessoas que participavam das vivências na aldeia. E fui praticando cada vez mais. Minha cacique elogia e fica muito orgulhosa das minhas pinturas. A gente conversa bastante sobre a importância de manter os costumes vivos e expressar nossa cultura nas cidades.

– Em algum momento dessa jornada sofreu preconceito?

– A alienação faz com que muitas pessoas sejam preconceituosas, mesmo que não intencionalmente. Essa alienação faz com que outras pessoas não percebam que estão sofrendo preconceitos. Não sei dizer se isso é alienação ou colonização, por isso, sempre que tenho oportunidade, falo sobre a importância do conhecimento, de buscar a história por uma visão contada por nós, descolonizada.

– É verdade que você também é fera no muay thai?

– Não é para tanto! (risos) Gosto de ser ativa fisicamente, faço corrida, musculação e conheci o muay thai. Me apaixonei por essa arte que desenvolveu minha resistência, autodefesa, superação e disciplina. Eu me dediquei bastante ao muay thai enquanto cursava a faculdade. Era uma forma de exercitar meu corpo, me defender e superar meus limites.  

Fotos: Léo Rosário