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ANUÁRIO FASHION: Jeans puro luxo

Ele era apenas uma peça simples do dia a dia que, com o surgimento do ultra premium Denim, virou objeto de desejo fashion (e com preços nada básicos)

Graziela Salomão Publicado em 10/11/2011, às 17h08 - Atualizado em 08/08/2019, às 15h43

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Desfile Just Cavalli - Getty Images
Desfile Just Cavalli - Getty Images

Para uma peça que começou sua história como vestimenta de mineiros e cowboys nos Estados Unidos no século 19, o destino do jeans surpreende. Ele já foi símbolo de rebeldia e ícone da contracultura, mas agora é destaque nas coleções ready-to-wear da Balmain, Ralph Lauren e Roberto Cavalli e ganhou as passarelas da alta-costura no desfile da Chanel no início do ano. Em todos esses casos, de básico esse jeans não tem nada. Em sua mais recente vertente, chamada de ultra premium denim, uma peça pode custar mais de R$ 3 mil.

A entrada do jeans nas passarelas aconteceu em 1978, quando o estilista Calvin Klein desfilou uma coleção com o tecido e introduziu o conceito de jeans assinado. Calças acima de R$ 200 se tornaram comuns e as pessoas se sentiram confortáveis para usar o traje mesmo em locais formais. Também foi o período no qual os profissionais liberais abriram mão do terno e gravata para entrar em sintonia com os tempos em que jovens como Steve Jobs, envolvidos com computadores e vestindo jeans, acumulavam fortunas e reinventavam a economia.

Já nos anos 1990 e 2000, marcas de Los Angeles, como True Religion e 7 for all Mankind, deram força ao movimento e os preços subiram ainda mais. Porém, dificilmente alguém imaginava que, em 2009, quando a tradicional maison francesa Balmain lançou nas passarelas sua calça jeans de R$ 3 mil, a peça fosse algo além de uma curiosidade ou capricho consumista. Mas, surpreendentemente, ela se esgotou nas prateleiras e se formaram filas de espera para comprá-la. Ainda hoje, mesmo com alguns modelos de jeans da Balmain sendo vendidos por mais de R$ 4.500, a demanda é alta. Uma recente demonstração do novo status do jeans como ícone do luxo foi o desfile de alta-costura da Chanel, no início de 2011. O estilista Karl Lagerfeld colocou, na mais nobre das passarelas, o jeans combinado com blusas e casacos bordados. “O jeans e uma camiseta branca básica fazem parte da vida e você tem que encontrar um jeito, até na altacostura, de fazê-las certas e perfeitas para os dias de hoje”, disse Lagerfeld, ao se render ao mercado e contrariar os preceitos da fundadora da grife, Coco Chanel, inimiga declarada do jeans.

Parte do encanto (e preço) do ultra premium denim se justifica pela sua complexidade. As criações da Chanel, por exemplo, além de terem o desenho característico da maison, foram feitas à mão por artesãs do Desrues, um ateliê com mais de 70 anos de tradição. Uma trilogia formada por caimento, modelagem e matéria-prima defi ne o que pode ser chamado de premium. Além, é claro, dos processos de fabricação que garantem a maciez e o conforto do tecido, sem esquecer a resistência e a durabilidade.

Na confecção, os tingimentos, os bordados e as lavagens são artesanais e realizados por profissionais selecionados, o que demanda tempo e cuidado. “As grifes de jeanswear de luxo estão em constante pesquisa de novos modelos e materiais exclusivos, como bordados e lavagens, com o objetivo de trazer as ideias fortes das ruas para a passarela”, diz Helen Pomposelli, consultora de moda. Ela destaca, por exemplo, uma experimentação de tecido denim com fios folheados a ouro que recebem tratamento especial para não desbotar nas lavagens. A técnica cria um brilho cintilante dourado.

Tudo que propicie um diferencial, como tecidos especiais feitos em maquinário de tear do começo do século passado ou misturas na trama com cashmere, aumenta o status da peça. “A própria construção do objeto, incluindo o estudo da forma da peça no corpo, é realizada com métodos que primam pelo detalhamento e perfeição”, diz Aline Monçores, coordenadora do curso de Design de Moda da Universidade Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro. Uma das mais recentes e cobiçadas novidades do segmento de jeans premium são as calças resinadas. Lançadas por marcas como J Brand, Citizens of Humanity e John John Denim, elas adquirem aparência similar ao couro graças aos processos de lavagem.

O designer americano Calvin Stewart levou o conceito premium ao extremo. Um jeans de sua grife, a APO Jeans, pode valer até R$ 8 mil, como no caso do modelo com diamantes nos botões e nos rebites. Se em vez de diamantes o cliente levar platina, o valor cai para R$ 6.500. As opções de ouro e prata custam R$ 3 mil e R$ 1 mil, respectivamente. A calça vem com atestado de autenticidade de um joalheiro e número de série. O tecido, também exclusivo, vem da Índia e custa aproximadamente R$ 80 por metro, contra R$ 6 do usado em outras marcas.

Mas nem tudo que reluz é ultra premium. “Não é porque uma peça tem pedras preciosas ou outros detalhes que ela entra nessa classificação”, explica a jornalista de moda Lilian Pacce. O que importa é o caimento, a modelagem, a matéria-prima e o acabamento impecável. “Para mim, o que faz um jeans ser premium é o tingimento natural do índigo”, diz Lilian. Ela acrescenta que “o tingimento tradicional realizado no mercado japonês é o melhor, mas também é o mais caro”.

No entanto, nem toda a técnica de produção e qualidade seriam suficientes para motivar a compra se não houvesse ainda um conceito por trás desses artigos. Algo que vai além do palpável e está relacionado ao sonho e desejo que a marca desperta. Prova disso é que o investimento das grandes empresas segue uma tendência comportamental bem atual, a praticidade. “Os itens básicos estão ganhando cada vez mais atenção das marcas porque o comportamento percebido nos últimos tempos é prático, não demanda muito esforço para produções, e permite ousar no uso de acessórios”, afirma Milene Pulice, gerente comercial da Jeans Hall Iguatemi, loja de jeans premium em São Paulo. “Isso cria uma verdadeira democracia de estilo, mas sempre versátil e exclusiva.”

O tom aspiracional presente em uma peça também aumenta – e muito – seu valor agregado e faz com que ela se transforme em um objeto de status. “O jeans é um produto com atributo emocional e de autoidentificação forte. Peças diferenciadas mostram para os outros quem é esse consumidor, quais são suas crenças e os valores com os quais ele se identifi ca”, diz Eduardo Tomiya, diretor geral da consultoria de marcas Brandanalytics. “Isso faz com que os consumidores paguem um preço maior e justifiquem seu valor agregado.”

Com a desaceleração da economia nos mercados desenvolvidos desde 2008, as grifes tradicionais se viram forçadas a buscar novos clientes. Países emergentes como Brasil, rússia, Índia e, principalmente, a china passaram a ditar tendência e criar necessidades. “Os produtores e as marcas estão atentos a esse fenômeno socioeconômico e decidiram apostar nessa nova clientela que consome produtos básicos”, diz Lazaro Eli, coordenador do curso de Moda do Senac São Paulo.

Recorrer a produtos como o jeans também é uma reação à alta dos preços das matérias-primas mais tradicionais. A pele de bezerro, um couro nobre, subiu 21% na primeira metade de 2011, após um aumento de 43% em 2010, segundo dados da UNIc, associação de produtores de couro da Itália. O consumo aquecido no mercado chinês tornou o couro e outros materiais nobres artigos disputados entre marcas como Hermès, Gucci e Chanel. Segundo Amnon Armoni, professor do MBA de Gestão do Luxo da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), “o luxo prima pela qualidade, pela exclusividade e pela tradição. Toda peça de luxo tem a obrigação de ser impecável”.

Para o estilista Renato Kherlakian, proprietário da rK Denim e que se autointitula um fanático por jeans, o que acontece agora é “um resgate do bom acabamento, do design, da valorização do corpo e, fundamentalmente, do conforto”. com o tempo, os aprimoramentos no topo da cadeia produtiva chegam às peças mais populares.

Sempre à frente do seu tempo, o estilista Yves Saint Laurent foi quem talvez melhor tenha definido o jeans. “Gostaria de ter inventado o blue jeans. É a peça de roupa mais espetacular, prática, relaxada e casual. Ela consegue ter personalidade, modéstia, sex appeal, simplicidade – tudo que eu procuro colocar em minhas roupas.” Modéstia e simplicidade à parte, o premium denim prova que Saint Laurent estava certo.